Pai de Kevin Espada espera por doação há 4 anos: “injustiça e indiferença”

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  • Rafael Ribeiro / CBF

    Evo Morales, presidente boliviano, ao lado de Marin e Del Nero

    Evo Morales, presidente boliviano, ao lado de Marin e Del Nero

Quem esteve nos vestiários do Estádio Jesús Bermudez, em Oruro, não esquece o semblante do treinador Tite naquele 20 de fevereiro de 2013. Depois de San José-BOL 1 x 1 Corinthians, ele foi avisado por Edu Gaspar que uma tragédia havia ocorrido depois do gol de Paolo Guerrero, aos 5min do primeiro tempo, e que o menino Kevin Espada, de 13 anos, havia sido morto por um artefato disparado por torcedores corintianos.

Tite, ao lado do mesmo Edu, volta à Bolívia nesta quinta-feira, com a seleção brasileira, para o penúltimo duelo das Eliminatórias da Copa do Mundo, em La Paz. Naquele dia, depois de ouvir a fatídica notícia, o então treinador corintiano se desesperou no vestiário. Levou as mãos à cabeça e se perguntou como aquilo tudo poderia ter ocorrido.

Sensação que nem se compara à que carrega até os dias de hoje o pai de Kevin. Limbert Beltrán. Não somente pela irreparável perda do filho, mas um pouco pelo que foi feito com a imagem do menino pelas federações dos dois países – a CBF, então presidida por José Maria Marin, e a Federação Boliviana de Futebol, então comandada por Carlos Chávez.

O jogo desta quinta (17h de Brasília) é o primeiro da seleção brasileira em território boliviano desde que Kevin Espada foi morto e um amistoso, idealizado por Marin e Chávez, foi marcado para Santa Cruz de la Sierra. O objetivo de arrecadar fundos foi cumprido na vitória do Brasil por 4 a 0 naquele 6 de abril de 2013, com Paulinho e Neymar em campo, além de Ronaldinho, e também com Marco Polo Del Nero, hoje presidente da CBF, nos camarotes. O dinheiro, porém, nunca chegou para a família Espada. 

“Pergunte aos jogadores brasileiros”, reclama Limbert

Jorge Abrego/EFE / Reprodução/Facebook / Montagem BOL

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Limbert Beltrán no enterro do filho Kevin, em destaque

“A partida de sua seleção em benefício de minha família somente foi um protagonismo midiático de seu dirigente [Marin] e do dirigente daqui, porque nunca chegou dita solidariedade”, conta Beltrán em entrevista para o UOL Esporte.

O pai de Kevin Espada, que vive em Cochabamba até os dias de hoje, aborda o tema com restrições. Ele prefere não conceder uma entrevista e se limita a apenas algumas mensagens. “Nunca se cumpriu a ajuda. Pergunte aos jogadores brasileiros o que pensam de ser usados em causas nobres, mas com destino incerto do que foi arrecadado. Creio que somente foi para os dirigentes esportivos”, protesta ainda.

Ao todo, o amistoso entre bolivianos e brasileiros arrecadou cerca de R$ 1,7 milhão, mas Beltrán nega que tenha recebido qualquer quantia. Meses depois do jogo disputado em 2013, chegou a ser noticiado que 4% da renda tenha sido enviada pela Federação Boliviana, responsável pelo repasse.

Em consequência do episódio, o presidente Carlos Chávez e o secretário Alberto Lozada, ambos da Federação Boliviana, foram presos. Por coincidência, o presidente da CBF naquele momento também acabou detido – Marin, até os dias atuais, cumpre pena em Nova York. Na avaliação de Beltrán, o então mandatário brasileiro tentou capitalizar sua reputação com o jogo “beneficente” na Bolívia.

“Já foi suficiente a injustiça e a indiferença dos que dirigem o futebol. Além disso, eles nem vão se incomodar com a reportagem. Prove e pergunte tanto aos dirigentes do Brasil e da Bolívia antes do jogo e depois, aí se dará conta do que eu digo”, disse o pai de Kevin Espada e também de Jhojhan Cristhian, hoje 13 anos, Alexandra, hoje 12 anos, e Matías, agora com 6 anos.

“A mensagem não chega ao grupo de sem vergonhas (dirigentes). É só para a sociedade dar sua opinião sobre o que pensa no momento. Na sociedade também há pessoas más e que também têm outra ideia, outro pensamento. Que as coisas sejam claras, que façam o que combinem. É uma onda de corrupção e não se interessam. O exemplo está na tragédia que passou à minha família”, concluiu Limbert. 

Ex-corintianos retornam à Bolívia com a seleção 

Aizar Raldes/AFP

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Tite durante o jogo marcado pela morte do menino Kevin

Além de Tite, nomes como o goleiro Cássio, o volante Paulinho, o coordenador de seleções Edu Gaspar e membros de comissão técnica, como o auxiliar Cléber Xavier, e de estafe, como o segurança Ricardo, estiveram em Oruro em 2013 no fatídico dia da perda de Kevin Espada. Todos retornam nesta quinta com a seleção.

No dia do episódio, uma das imagens que marcou entre os corintianos foi a do próprio Edu. Pai de um adolescente, ele chorou de forma copiosa diante das câmeras. “Tenho um filho que vai para o Pacaembu, que fica sentado comigo ao lado da torcida rival. Passei por isso na pele com a minha irmã”, disse Edu, pouco antes de interromper o seu discurso para chorar, em referência a uma tragédia que viveu em sua própria família. 

“Eu só tenho que pedir que me desculpem. Eu sei que isso não vai tirar a dor de vocês, não vai tirar a dor da família, mas nós estamos muito sentidos. Eu trocaria o meu título mundial pela vida desse menino”, comentou Tite logo depois do jogo. 

Presente a um dos camarotes do Estádio Jesús Bermudez, ele e outros membros do Corinthians perceberam que algo havia errado logo depois do gol de Guerrero. Um estrondo muito forte e rápido, como de um foguete, foi percebido mesmo em um espaço cercado por vidro no meio das arquibancadas. O temor, naquele momento, foi de que o artefato poderia cegar algum torcedor que fosse atingido. Kevin, porém, morreu imediatamente com o golpe recebido diretamente em seu olho.

Membros do estafe corintiano, além do trauma por todo o episódio, ainda tiveram momentos de tensão. Ao descerem para o vestiário do estádio em Oruro, eles souberam por jornalistas brasileiros que um menino havia morrido e sofreram tentativas de agressão por parte de torcedores bolivianos, revoltados com a tragédia, e sequer voltaram aos camarotes para o segundo tempo. A enorme festa promovida pelos locais, orgulhosos por receber o então clube campeão mundial, acabou de maneira brutal.

Juan Karita/AP

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Ronaldinho em disputa pela bola no amistoso de 2013

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