A história de camaradagem que levou meninos a dar luvas de goleiro ao amigo

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Não foi a primeira vez que os meninos do 9º ano deram um presente para Rodrigo, mas desse presente ele nunca vai esquecer. O garoto tem deficiência intelectual e há pelo menos cinco anos convive com o mesmo grupo de amigos em uma escola de dois andares, paredes brancas e azuis, na zona leste de São Paulo.

Nas aulas de educação física ele cismou que queria ser goleiro e, jogando-se nas bolas do jeito dele, no tempo dele, aprendeu uma forma – a sua maneira – de evitar os gols. Depois de tantos anos ao lado dele, os amigos já tinham aprendido que Rodrigo tem um jeito próprio de fazer as coisas e admiraram sua persistência.

Um dia, Rodrigo apareceu na escola com umas luvas amarelas de borracha, dessas de lavar louça, porque um bom goleiro precisa usar luvas e foram essas as únicas luvas que ele arranjou.

Os amigos, garotos entre seus 14 e 15 anos, resolveram dar uma melhora no equipamento de Rodrigo.

O vídeo da cena já ganhou o mundo, circulando na velocidade de um vírus tropical a derreter o coração até dos mais broncos: Rodrigo sentado na cadeira da sala com suas luvas improvisadas, os amigos se aproximando para cercá-lo, um professor arrancando uma das luvas de Rodrigo e rasgando um dos dedos, Rodrigo não entendendo nada, outro aluno rasgando a luva ainda mais, alguém perguntando se a luva ainda serve, Rodrigo dizendo que serve, todo mundo respondendo: “Não, Rodrigo, não serve!”, mas para Rodrigo parece que mesmo uma luva rasgada é uma luva.

Até que alguém faz a revelação: “Você quer uma luva nova, Rodrigo?”, e puxa um par novinho, ainda na embalagem, a primeira proteção oficial para as mãos do goleiro Rodrigo. Ele não se contém de alegria, bate palmas, a turma inteira aplaude e grita. Ele também ganha uma bola.

Adriano Wilkson/UOL

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O presente foi uma união de esforços de seus amigos, que fizeram uma vaquinha para comprá-lo, e foi uma surpresa não só ao homenageado, mas também à diretoria e aos professores da escola, que só souberam de tudo depois. A repercussão do vídeo foi tanta que ele chegou ao goleiro Cássio, do Corinthians e da seleção brasileira, o nome que Rodrigo repete quando faz suas defesas.

Cássio disse que em breve vai presentear o garoto com outro par de luvas.

A união e a amizade entre os garotos do 9º ano da escola estadual Cidade de Hiroshima é resultado também de uma política pedagógica que trabalha para incluir alunos com deficiência na rotina escolar. Alguns dos melhores amigos de Rodrigo hoje são garotos que um dia já fizeram bullying contra ele.

Dos cerca de 2.400 estudantes da instituição, por volta de 15 têm algum tipo de deficiência.

Nas salas de aula, os professores se esforçam para fazê-los acompanhar as atividades passadas aos demais. Alguns ganham tarefas especiais. Rodrigo, por exemplo, dono de uma memória fora dos padrões, é o “assistente de chamada” de um dos professores.

Como ele decorou o nome e o sobrenome de quase todos os seus colegas (além do de seus cachorros), o professor costuma falar o primeiro nome de cada estudante e pede para Rodrigo completar com o sobrenome: a cada erro, Rodrigo paga polichinelos; a cada acerto, a turma os paga. A chamada acaba se tornando uma brincadeira na qual Rodrigo é o protagonista. O resultado é um entrosamento diferente: em ocasiões especiais e datas comemorativas, a turma se reúne para comprar presentes ao garoto.

Adriano Wilkson/UOL

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Nem todas as tentativas de inclusão dão certo, no entanto. Na escola, já houve ocasião de adolescentes com deficiência agredirem professores, assim como professores manifestarem o desejo de mudar Rodrigo de sala por ele estar sendo alvo de bullying.

Os funcionários se ressentem da falta de estrutura para fazer um trabalho melhor nessa área. A escola não tem, por exemplo, uma pessoa especialista no cuidado a estudantes com deficiência. Uma reforma recente tornou o acesso à secretaria difícil a cadeirantes, e um dia foi preciso que a equipe pedagógica descesse as escadas para atender um pai de aluno que não conseguia subi-las.

Procurada para comentar essa reportagem, a direção e os professores da Cidade de Hiroshima preferiram não dar entrevista e não permitir contato com os garotos envolvidos no gesto de camaradagem. Eles temem que uma maior exposição possa ser prejudicial aos adolescentes.

Rodrigo guardou seu par de luvas novas e espera estreá-lo no próximo jogo. Ele continua repetindo o nome de Cássio e sonha que um dia conseguirá encontrar seu maior ídolo. 

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